segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Lula no Podpah e a estratégia de comunicação do PT

  Por Marcello Freitas


No dia 2 de dezembro de 2021, Lula participou do podcast “Podpah”, o maior do Brasil, gerando grande impacto. Na ocasião, foram quase 300 mil pessoas assistindo, em tempo real, ao bate papo de Lula com Igão e Mítico e mais de 2.187.830 milhões de acessos ao longo do programa. Após a transmissão ao vivo, o programa continuou gerando grande repercussão. Foram mais de 3,6 milhões de visualizações em menos de 24 horas, além de ranquear entre os trending topics do Twitter por mais de dois dias. Após 10 dias de sua estreia, o episódio 295 do “Podpah” já ultrapassou a marca de 8 milhões de visualizações, levando-o a alcançar o recorde nacional de público de um podcast.

Esses números impressionantes demonstram o quanto este evento representou uma poderosa plataforma para que Lula reforçasse a sua presença digital e promovesse para um amplo público a sua visão de mundo, programa político e imagem pessoal. Tal feito parece revelar um novo approach da comunicação estratégica do PT, que estaria voltado para dar um maior destaque a plataformas digitais e redes sociais como pontas de lança da campanha eleitoral de Lula em 2022.



Não há dúvida de que amplificar a projeção de Lula na internet é um passo fundamental para expandir o alcance de sua campanha nas redes sociais, e, a partir daí, dar ao PT melhores condições para neutralizar o discurso Bolsonarista e a sua máquina de propaganda. A internet é um poderoso meio para Lula falar diretamente com um público mais jovem, com pouca informação sobre a trajetória política de Lula e com pouca memória afetiva em relação a era PT. Nesse sentido, o ambiente digital representa um dos principais campos de batalhas das eleições de 2022 e uma eficiente estratégia para as redes sociais representará um fator decisivo para o sucesso da campanha de Lula.

A participação de Lula no Podpah pode não apenas indicar o funcionamento dessa nova estratégia de comunicação do PT, como ter sido um importante ponto de inflexão dentro dela. Algumas características especiais do programa reforçam o seu papel estratégico. Além de possuir mais de 4,4 milhões inscritos, o canal também tem uma forte conexão com uma juventude de periferia. Uma conexão expressada principalmente pelo perfil e história de vida dos criadores do canal (que pode ser conferida no documentário sobre o canal). Igão e Mítico são dois icônicos representantes da atual tendência de jovens empreendedores, muitos deles de periferia, em buscar criar canais no Youtube como um meio viável de ganhar fama e gerar renda.

Seguindo essa tendência, os dois amigos fundaram o Podpah em 2020, como um desdobramento da carreira que ambos, de forma individual, vinham construindo no Youtube. Rapidamente o canal alcançou um sucesso estrondoso, chegando a se tornar, em 2021, o maior podcast do Brasil – o que impulsionou os dois amigos a se tornarem celebridades emergentes. Essas características tornaram o Podpah não apenas uma poderosa vitrine para a imagem e as ideias de Lula, como um eficiente meio de Lula se reconectar com uma juventude periférica – ou seja, trilhar o caminho, pela via digital, de reconexão como as bases (conforme cobrado por Mano Brown).




Um fato curioso é que o Podpah nasceu incubado dentro de um outro podcast de grande sucesso chamado Flow podcast. O Flow é outro fenômeno da comunicação brasileira. Fundado em 2018, o canal teve uma ascensão meteórica, com milhões de inscritos e grande volume de views. O Flow rapidamente se consolidou como o maior podcast do Brasil, até ser ultrapassado pelo Podpah em 2021. Por sua vez, o Podpah se valeu da estrutura, do formato e, em grande medida, da imensa audiência do Flow para decolar.

Eventualmente, o grande sucesso do Podpah levou ao rompimento entre os dois programas. E, apesar de seus membros recorrentemente afirmar que esse rompimento foi amigável, ele na verdade gerou grande ressentimento e uma velada rivalidade entre os dois canais (reforçados pelo contínuo sucesso do Podpah). Contudo, ambos os canais tentam manter uma certa cordialidade, além de manterem uma identidade visual bastante semelhante, apesar de approaches relativamente diferentes.

O curioso é que, na verdade, a assessoria de Lula vinha negociando a participação do ex-presidente no Flow e não do Podpah. Conforme revelado por Monark (fundador do canal) em 14 de outubro, durante entrevista ao DCM, esta negociação estava avançada e a participação de Lula no Flow estava próxima de acontecer. O que tornou o anúncio da entrevista de Lula no Podpah inesperado e um tanto surpreendente. Na minha visão, esta mudança repentina de plataforma é outro importante fator que demonstra o quanto o sucesso da participação de Lula no Podpah é parte de uma bem pensada estratégia de comunicação do PT para a campanha de Lula na internet e não fruto de um mero acaso.

Antes de explicar melhor este ponto, é importante destacar as convergências entre o Flow e o Bolsonarismo. Monark nunca escondeu que foi um eleitor convicto do Bolsonaro (apesar de agora dizer que está arrependido) e, por diversas vezes, fez questão de declarar veementemente o seu antipetismo e sua aversão à Lula. Além de expressar em seu canal uma visão ultra neoliberal e superficial sobre a realidade brasileira, misturada com uma defesa à ignorância, a não política, ao armamentismo e à uma noção distorcida da liberdade de expressão (que incluiria o direito a mentir, ofender e descriminar). O interessante é que, muitas vezes, Monark busca camuflar a sua visão ultraconservadora e liberal através de um "libertarismo" superficial, pautado principalmente pela defesa da liberalização das drogas e emancipação individual pela via digital.

É também notório que no início de suas atividades, o Flow era um reduto de Bolsonaristas e negacionistas, os quais contribuíram decisivamente para impulsionar o alcance do canal na internet. O canal chegou a entrevistar figuras como Eduardo Bolsonaro e Luciano Hang - que são pessoas que normalmente só circulam e dão entrevistas nas redes Bolsonaristas. Contudo, é notório que a partir de 2021 o canal passou a estar mais aberto à representantes do bloco progressista; chegando mesmo a entrevistar figuras como Haddad, Boulos e Marcello Freixo. Contudo, é difícil afirmar se essa inflexão é uma tentativa real de ampliação do foco do programa ou uma mera estratégia de Marketing.



De qualquer forma, é um tanto curiosa a iniciativa da assessoria de Lula negociar a participação do ex-presidente em um canal com este perfil. Eu acredito que, na verdade, tal iniciativa é não apenas uma importante expressão do tradicional pragmatismo do PT, mas de uma renovada compreensão da importância desse tipo de plataforma digital para a projeção de candidaturas políticas na era da informação. Na minha visão, esses são dois pilares fundamentais da estratégia de comunicação do PT para as eleições de 2022.

Aqui é importante destacar que essa estratégia já havia se manifestado na inesperada decisão de Lula de conceder uma entrevista à Reinaldo Azevedo – um tradicional opositor ao PT e ferrenho crítico de Lula (apesar de, recentemente, ter revisto esta posição). E é possível dizer que foi justamente esse fato inusitado, envolto em tantas contradições, que garantiu o grande sucesso dessa entrevista; que chegou a mais de 2 milhões de views em menos de 24 horas e superou em muito a audiência da live do Bolsonaro (que ocorreu no mesmo horário). A grande repercussão positiva dessa entrevista representou umas das primeiras grandes vitórias de Lula em seu embate digital contra o Bolsonarismo, além de um importante exemplo da eficácia dessa nova estratégia de comunicação PT no ambiente digital.




Nesse sentido, a decisão da assessoria do Lula de levar o ex-presidente ao Flow pode ser considerada um importante novo desdobramento dessa estratégia. Contudo, um inesperado revês acabou levando a equipe de Lula a mudar seus planos e acabar fechando a participação de Lula no Podpah, não no Flow. É possível especular que um fator que pode ter contribuído para este desfecho tenha sido a grande repercussão negativa de declarações polêmicas de Monark no Twitter no início de novembro. Em uma série de postagens nesta rede social, Monark relativizou o racismo ao afirmar que a expressão de um pensamento racista não deveria ser considerada crime por constituir uma opinião individual. Segundo ele, em nome da “liberdade de expressão”, nenhuma opinião deveria ser cerceada ou criminalizada (mesmo que promovesse ideias terríveis). 

Esse posicionamento de Monark - em grande medida em linha com a ideologia Bolsonarista - não apenas foi expressado com grande convicção pelo youtuber, como foi reiterado por ele em diversas outras ocasiões. Esse evento acabou gerando uma grande comoção nas redes, chegando ao ponto de levar o iFood a romper a sua parceria com o Flow. Além de deixar de patrocinar o programa, o iFood publicou uma dura nota de repúdio contra o Flow, que expressava claramente que não compactuava com racismo. Sem dúvida nenhuma esse foi um fato que abalou a imagem do Flow não apenas com seus patrocinadores, mas com uma parcela considerável de seu público (conforme Ferréz explicou à Monark, durante entrevista no Flow). 

Este caso parece ter acendido a luz vermelha do radar do PT, levando a assessoria de Lula a não querer associar a imagem do ex-presidente a um canal envolto em tal polêmica. Se esse foi o caso ou não, o fato é que na semana seguinte a essa polêmica foi anunciado a participação de Lula no Podpah. Novamente, esta aparente mudança de planos reforça o caráter estratégico e sistemático do modelo de presença digital de Lula idealizado pelo PT. Essa reconfiguração da estratégia passava a deixar de lado uma plataforma com o estigma do Flow e passava a apostar no Podpah, um canal com um perfil mais condizente com os objetivos de campanha e imagem pessoal de Lula.



O grande sucesso e repercussão positiva da participação de Lula no Podpah confirmam o quão acertada foi tal decisão. De fato, o ambiente mais aberto e convidativo do Podpah possibilitou que Lula desenvolvesse um bate-papo descontraído com Mítico e Igão, o qual mostrou para a imensa audiência do canal sua faceta mais popular e humana. Além disso, o ambiente descontraído e amigável do programa possibilitou a Lula promover sua visão política de forma mais informal e didática. Durante a conversa, Lula falou de futebol, de sua infância difícil de fome e pobreza, de sua trajetória política, sua experiência como presidente do Brasil, dos desvios da Lava Jato, de como o tempo que passou preso injustamente o aprimorou como humano e aguçou ainda mais o seu desejo de governar (e transformar) o Brasil mais uma vez. 

Um aspecto marcante da entrevista foi a forte conexão que Lula estabeleceu com os apresentadores. Isso fez com que Igão e Mitico se sentissem à vontade o suficiente para perguntar ao ex-presidente como ele havia perdido o seu dedo e se pobre podia comer camarão. Lula respondeu a primeira pergunta com grande descontração, relatando a dor que sentiu ao ter o dedo decepado por uma prensa (enquanto trabalhava como torneiro mecânico). Por outro lado, Lula respondeu a outra pergunta como uma aula de marxismo prático, dizendo: “não só pode, com deve! Até porque é o trabalhador quem pega o camarão”. Todos esses fatores tornaram tal programa não só uma importante vitrine para a imagem de Lula como uma poderosa plataforma para Lula transmitir a sua mensagem política, de forma clara e direta, para milhões de brasileiros.



Por fim, o grande sucesso da participação de Lula no Podpah me faz concluir que o impacto dessa iniciativa pode ser atribuída a 3 principais fatores. O grande público e alcance que o programa já tem (o maior do Brasil). A grande popularidade de Lula (o primeiro nas intenções de voto). E, como venho tentando ressaltar, a eficiência de um novo approach da comunicação estratégica do PT para as eleições de 2022. Essa estratégia teria como meta, nessa fase inicial da corrida eleitoral, ampliar a projeção digital de Lula de forma paulatina e criteriosa, buscando os melhores meios e plataformas que ampliem exponencialmente o impacto de aparições pontuais e bombásticas. Criando, com isso, um contínuo hype em torno das atividades políticas de Lula, sem desgastar a sua imagem pessoal, nem super expor suas ideias – deixando esta tarefa para seus adversários (que acabam “morrendo pela língua”). Conforme demonstram as últimas pesquisas eleitorais (Ipec, Datafolha e Ipespe), parece que esta estratégia vem contribuindo para Lula consolidar a sua grande vantagem e, até mesmo, garantir uma vitória em primeiro turno. 



*Marcello Freitas é doutorando em Política Internacional pela Aberystwyth University. Tem como foco de pesquisa a diplomacia cultural. Sua dissertação de mestrado em Relações Internacionais teve como tema o universo da música na política externa brasileira. Também possui ampla experiência no campo prático da produção cultural. Vocalista da banda Nocomplai e baixista da banda Classe Z. Também se considera um músico, poeta, sonhador e esquerdista. 

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